terça-feira, 3 de junho de 2014

A política do salário mínimo deve ser alterada?

José Pastore: Sim
 
Efeitos colaterais
 
O melhor dos mundos é quando os aumentos salariais são concedidos com base nos ganhos de produtividade. Nessa condição, os aumentos não são repassados aos preços, e as empresas aumentam o lucro. Como conseqüência, consumo e investimentos crescem. É o jogo do ganha-ganha.

O Brasil dos últimos anos, porém, tem vivido uma situação inversa. Os salários vêm aumentando sem uma correspondente elevação da produtividade. Resultado: inflação crescente, investimentos decrescentes e perda de competitividade.

No caso do salário mínimo, a fórmula atual promove o seu reajuste pela inflação do ano anterior e o PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. Os dados indicam que, com exceção de 2010 (PIB de 7,5% e inflação de 5,9%), o quadro reflete a inversão apontada.

Em 2009, o PIB diminuiu 0,3% e a inflação subiu 4,3%. Em 2011, o PIB ficou em 2,7% e a inflação bateu na casa dos 6,5%. Em 2012, os números foram novamente divergentes para um PIB de apenas 1% e inflação de 5,8%. E em 2013, tivemos 2,5% e 5,9%, respectivamente.

Pela fórmula, os reajustes captaram mais a inflação do que o PIB e muito menos o PIB per capita (proxy –indicador aproximado– da produtividade). Na verdade, a produtividade no Brasil, com exceção da agricultura, está praticamente estagnada.

Aumentos expressivos de salários sem correspondência em ganhos de eficiência, como os determinados pela fórmula, provocam fortes distorções no mercado de trabalho e nas contas públicas.

No primeiro caso, os reajustes do salário mínimo "atropelam" muitos pisos salariais e forçam aumentos descasados da produtividade –em especial, nas faixas dos salários que são vizinhos do mínimo.

No segundo caso, o atropelo é ainda mais grave. Como estudioso das finanças públicas, Raul Velloso mostra que o salário mínimo transformou-se em um indexador voraz das despesas do governo por conta da fórmula atual. Isso porque 65% dos beneficiários da Previdência Social e 44% do valor total dos benefícios estão atrelados ao salário mínimo. Na assistência social, são 100% dos beneficiários e do valor dos benefícios. No seguro-desemprego e no abono salarial, a indexação é igualmente violenta.

Conclusão: em 2013, 24% dos gastos da União decorreram do salário mínimo. Há 25 anos, eram apenas 3%! Para cada R$ 1 de aumento no salário mínimo, há uma despesa adicional para a União de R$ 350 milhões. Não é preciso ir longe para verificar que esse quadro é insustentável (http://www.raulvelloso.com.br/por-que-e-como-aumentar-a-poupanca-pu...).

Para o Brasil crescer e reduzir efetivamente a desigualdade, a lógica e os fatos recomendam uma modificação na fórmula atual e um atrelamento dos reajustes do salário mínimo aos ganhos de produtividade.

No dia Primeiro de Maio, a presidente Dilma Rousseff decidiu prometer a manutenção da fórmula atual. A gula por votos falou mais alto do que a lógica e o bom senso.

Isso levou os demais candidatos a prometer a mesma coisa, deixando de lado os destinos na nação para garantir um bom resultado na eleição. Lamentável!

Não havia a menor necessidade de se pronunciarem sobre essa matéria no meio do ano eleitoral, porque, pela lei n° 12.382/2011, a avaliação da fórmula deveria ser feita só em 2015, e não em 2014.

Com isso, o (a) eleito (a) terá de se preparar para desmontar a bomba-relógio que ajudou a montar.

JOSÉ PASTORE, 79, é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo) e membro da Academia Paulista de Letras

Fonte: Folha de S.Paulo em 31 de maio de 2014.

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