quinta-feira, 31 de julho de 2014

Etanol parou, parou por quê?

Tarcisio Angelo Mascarim

Na minha opinião, o trabalho elaborado pelos senhores Marcelo Soares Valente, Diego Nyko, Brunno Luiz Siqueira Ferreira Soares dos Reis e Artur Yabe Milanez, respectivamente, engenheiro, economista, estagiário e gerente do Departamento de Biocombustíveis da Área Industrial do BNDES, em 2011, compreendendo 60 (sessenta) páginas, com o título: “Bens de capital para o setor sucroenergético: a indústria está preparada para atender adequadamente a novo ciclo de investimentos em usinas de cana-de-açúcar?, deveria ser lido pelos candidatos ao cargo de Presidente da República. E mais: o eleito atender a sugestão dos especialistas, para a retomada do setor sucroenergético, duramente penalizado pelas atuais políticas públicas. Segue síntese:

“ Apesar da estagnação dos investimentos do setor sucroenergético, projeções oficiais da demanda por açúcar e etanol brasileiros indicam a necessidade de implantação de mais de 130 novas usinas até 2020-2021, o que equivale a esforço de investimento tão ou mais desafiador do que o realizado na última década, quando foram inauguradas mais de cem novas usinas em cinco anos. Com base em pesquisa de campo com os principais fornecedores de bens de capital sucroenergéticos e grandes grupos de usinas, este artigo tenta responder se o atual parque fabril de máquinas e equipamentos para açúcar e etanol estaria em condições de atender à retomada vigorosa de investimentos em novas usinas sucroenergéticas. Também são discutidas eventuais alternativas para reverter o atual quadro de estagnação de encomendas de bens de capital pelo setor sucroenergético e promover o fortalecimento dos fornecedores dedicados a esse setor.
 
Além disso, a crise de investimentos pela qual passa o setor canavieiro, iniciada em 2009, não tem dado sinais de recuperação, estendendo período de baixo volume de encomendas por novos equipamentos e, com isso, tem gerado conjuntura econômica adversa para vários fabricantes.

De outro lado, com base nas projeções oficiais para os próximos anos de demanda por açúcar e etanol brasileiros, estima-se que seja necessária a instalação de mais de cem novas usinas de cana-de-açúcar, o que equivale a um esforço de investimento tão ou mais desafiador do que aquele empreendido entre 2005 e 2009.

Assim, com base nesse cenário, este artigo busca mapear quais são, de fato, os principais problemas dos fornecedores de bens de capital agricolas e industriais, a dimensão dessa eventual fragilidade e, consequentemente,  os  impactos  gerados  na  cadeia  sucroenergética. Em outras palavras, busca-se responder à seguinte questão: em que medida os fornecedores de máquinas e equipamentos para a indústria sucroenergética podem representar obstáculo para a retomada de investimentos em novas usinas?”

Para responder a essa questão, o trabalho está dividido em seis seções, incluindo a introdução.

“Na seção seguinte, à luz da cadeia produtiva do setor sucroenergético, são feitos o recorte analítico e a caracterização do objeto estudado neste artigo: os fornecedores de máquinas e equipamentos agricolas e industriais. São descritos os processos produtivos existentes nas usinas, bem como os principais equipamentos por elas utilizados. Essa descrição facilita a análise, já que os diferentes tipos de equipamentos e seus fornecedores têm características muito distintas entre si.
 
Na terceira seção, é realizada uma estimativa de investimentos necessários em novas usinas para os próximos anos. Essa estimativa baseia-se em projeções ofíciais de demanda feitas pelo governo federal. Os investimentos projetados, portanto, refletem o tamanho do desafio que se colocaria para os fornecedores aqui estudados, caso as demandas projetadas se concretizassem.

Na quarta seção, são apresentados os resultados de entrevistas realizadas com os principais fornecedores e os principais grupos processadores de cana do Brasil. Para os mais importantes equipamentos do processo agroindustrial das usinas,os entrevistados avaliaram o risco de não atendimento da demanda estimada na terceira seção. Com isso, é possível identificar, na percepção dos entrevistados, os bens de capital que podem se tornar obstáculos caso ocorra retomada vigorosa dos investimentos. Essa análise é feita por meio de três indicadores: um para fornecedores, uma para usinas e um geral.

Em seguida, na quinta seção, são sugeridas possíveis soluções e alternativas para a mitigação dos problemas levantados. Por fim, a última seção traz as considerações finais deste artigo.”

Continuando, da página 122 à página 172, os especialistas apresentam todo o detalhamento das seções, entrevistas, levantamento, necessidades, preocupações e soluções suficientes para a retomada do setor sucroenergético.

Para encerrar a síntese do trabalho, vamos apresentar as alternativas para mitigação dos riscos de oferta de equipamentos, a retomada planejada e sustentada dos investimentos em novas usinas e a conclusão.

“A atual situação de estagnação das encomendas de bens de capital sucroenergéticos tem gerado uma situação econômica adversa para boa parte de seus tradicionais fornecedores, que, se mantida por mais tempo, agravará ainda mais a percepção de risco de oferta identificada neste pesquisa. Assim, somente a retomada de forma planejada e sustentada dos investimentos em novas usinas permitirá a recuperação da capacidade de fornecimento dessa indústria, tanto pela maior utilização de crescente ociosidade industrial quanto pela ampliação de ativos fabris dedicados à produção de equipamentos sucroenergético.

Entre as medidas que poderiam contribuir para essa retomada dos investimentos em novas usinas sucroenergéticas, podem ser destacadas: (i) maiores incentivos tributários ao etanol, como aumento da Cide sobre a gasolina e maior alinhamento do ICMs sobre o etanol em nível nacional à alíquota de São Paulo; (ii) criação de um ambiente de contratação de longo prazo para fornecimento de etanol; (iii) execução de leilões regionais de energia elétrica; e (iv) incentivos tributários à utilização da palha e do bagaço da cana-de-açúcar para geração elétrica.

A necessidade de um cenário mais previsível de encomendas por bens de capital sucroenergéticos decorre do fato de que a experiência cíclica dos investimentos recentes em novas usinas não tem gerado horizonte de demanda confiável e, com isso, aumenta o risco e a incerteza relativos à imobilização de capital em nova capacidade industrial de equipamentos.

Adicionalmente, esse cenário de demanda mais previsível também permitiria melhor planejamento do crescimento das usinas sucroenergéticas, o que ajudaria a reduzir o comportamento cíclico dos investimentos, evitando, assim, a combinação de períodos de excesso e de escassez de demanda por equipamentos sucroenergéticos.

Assim, como consequência de um horizonte de demanda mais bem definido e menos cíclico, os fabricantes de equipamentos sucroenergéticos terão melhores condições de se preparar para atender adequadamente aos investimentos em novas usinas.

Entre as fragilidades que contribuíram para a elevada percepção de risco de oferta de determinados equipamentos pesquisados, destacam-se o reduzido número de fornecedores e a elevada exposição ao setor sucroenergético.

Para atacar ambos os casos, é necessário estímular a diversificação setorial, tanto para atraír para o setor sucroenergético fabricantes dedicados a outros setores industriais quanto para auxiliar a entrada, em novos mercados, de fornecedores mais concentrados em bens de capital sucroenergéticos.

Neste sentido, é oportuno o apoio a investimentos de fabricantes de bens de capital, atuantes ou não no setor canavieiro, na qualificação técnica, na adequação de suas plantas industriais e em capacidade de engenharia para o desenvolvimento de equipamentos. Nesse sentido, o BNDES já dispõe de diversos programas de financiamento capazes de apoiar esse tipo de estratégia.

Além disso, a criação de parcerias ou mesmo fusões entre fornecedores de bens de capital sucroenergéticos com outros fabricantes, atuantes ou não no setor, poderia gerar empresas de maior porte financeiro e cuja gestão permitisse maior diversificação setorial.

Esse movimento pode até ser acelerado pela mudança da natureza patrimonial dos principais grupos sucroenergéticos, com a transição do controle familiar para grandes corporações.
        
Nesse novo contexto, a aquisição de equipamentos passará a ser crescentemente pautada por critérios mais rígidos de capacidade de entrega, qualidade e condição financeira do fabricante, o que poderá induzir à maior concentração de mercado nos fabricantes capazes de atender a tais requisitos.

Portanto, diante desse cenário, o BNDES deverá estar atento a oportunidades de fomento à formação de empresas brasileiras de bens de capital de maior porte, diversificadas setorialmente e cuja capacitação técnica, financeira e administrativa lhe permita atuar não somente nesse cenário doméstico de maior exigência das usinas, mas também como player global preparado para empreender uma estratégia internacional mais agressiva, tanto por meio de exportações quanto pelo investimento em unidades fabris e de serviços no exterior.”
Para finalizar, os especialistas apresentam a conclusão do seu trabalho:

“O setor sucroenergético empreendeu um grande esforço de investimento ao longo do período de 2005 a 2009, o que resultou na inauguração de mais de cem novas unidades industriais. A partir de 2009, contudo, o setor passou a enfrentar período de estagnação dos investimentos e, com isso, experimentou redução significativa das encomendas de bens de capital sucroenergéticos. A continuidade desse cenário tem gerado ambiente econômico adverso para os fabricantes, em especial para aqueles mais dependentes das encomendas do setor sucroenergético.

Por outro lado, dadas as projeções de demanda de açúcar e etanol brasileiros, estima-se que 134 novas usinas, com capacidade de moagem de quatro milhões de toneladas de cana cada, sejam necessárias para atender à demanda projetada para os próximos anos. Isso equivale à instalação de cerca de 17 unidades por safra a partir de 2013/2014.

É dentro desse contexto que, com base na pesquisa de campo com os principais fornecedores de bens de capital sucroenergéticos e grandes grupos de usinas, este artigo procurou identificar se o atual parque fabril de máquinas e equipamentos para açúcar e etanol, mesmo enfrentando um período duradouro de baixo volume de encomendas, estaria em condições de atender a novo ciclo vigoroso de investimentos em novas usinas sucroenergéticas.

Em primeiro lugar, verificou-se que diversos segmentos da indústria de bens de capital que atendem ao setor sucroenergético estão trabalhando atualmente com ociosidade em torno de 50%. Dessa forma, é notória sua percepção de que não teriam maiores problemas para atender a novo ciclo de investimentos em usinas sucroenergéticas tão ou mais intenso do que o observado na década passada.
                 
De outro lado, na visão dos principais grupos processadores de cana, a oferta do segmento de bens de capital não foi completamente satisfatória na última onda de investimentos. Segundo as usinas, diversos equipamentos foram entregues fora das especificações desejadas ou mesmo depois dos prazos previamente contratados.

Como resultado, ficou evidenciada a posição dos fornecedores de que, para a grande maioria dos equipamentos, não haveria problemas de atendimento caso se recuperassem os investimentos no setor. Para eles, apenas um grupo de equipamentos foi considerado de alto risco de oferta. Ao passo que, na visão das usinas, seriam nove equipamentos com maiores dificuldades de atendimento.

Quando se analisa o indicador combinado, três equipamentos aparecem na faixa de alto risco: moenda/difusores, caldeiras e destilarias. Esses equipamentos, além de exigirem longo prazo de fabricação, necessitam de significativa base industrial instalada para sua produção e montagem, mão de obra treinada e especializada e, em muitos casos, engenharia e projetos próprios. Além disso, são equipamentos de grande porte e representam parte significativa do investimento em novas usinas (cerca de 40% do total), o que torna o resultado encontrado foco da maior preocupação.

A atual situação da indústria de bens de capital sucroenergéticos exige atenção. Numa eventual retomada de investimentos nos níveis observados no último ciclo de crescimento do setor, a pesquisa realizada neste artigo, sugere dificuldade de atendimento de equipamentos cruciais para a instalação de novas usinas.

A mitigação desse risco de oferta, contudo, depende necessariamente da retomada planejada e sustentada dos investimentos no setor canavieiro, que, a permanecer estagnado, só agravará a situação atual. Dessa forma, quanto mais tempo durar esse cenário de retração de investimentos e, portanto de baixa demanda por bens de capital sucroenergéticos, maiores serão os riscos associados à oferta de equipamentos essenciais para a construção de novas usinas de cana-de-açúcar.”

Portanto, senhores presidenciáveis, este trabalho dos especialistas do BNDES, - o banco do governo federal -, elaborado em 2011, procura responder a pergunta do título desta síntese: “Etanol parou, parou por quê?. Eu respondo: por falta de políticas públicas adequadas, elencadas neste trabalho.

E mais: atualmente, as empresas de bens de capital para o setor sucroenergético, não estão faturando nem um terço do que faturavam em 2008, com dispensa maciça de seus trabalhadores. Por outro lado os produtores de cana, açúcar e etanol, estão com sua capacidade, praticamente, igual a antes da crise de 2008.

Mais uma informação: conforme estimativa do Brasil/EPE (2011) citada  neste trabalho, a demanda por etanol crescerá 50,7 bilhões de litros até a safra de 2020-2021. Isto representa um aumento de 178% da produção de etanol estimada para atual safra de 2014-2015.

Por outro lado, a demanda por açúcar para o consumo doméstico e externo brasileiro deverá crescer 13,6 milhões de toneladas até a safra 2020-2021, representando um aumento de 34% da produção de açúcar, estimada para a atual safra de 2014-2015.

Para atender a essas demandas projetadas, seriam, então, necessárias, conforme o trabalho, a implantação de 134 novas usinas de grande capacidade, com investimentos em torno de R$ 110 bilhões.

Além da produção de açúcar e etanol, essas novas usinas, poderiam contribuir, também:
- gerando 26.000.000 MW/safra de energia elétrica exportável;
- empregando 1.570.000 pessoas dependentes da atividade;
- evitando 60.600.000 emissões evitadas (tCO2safra).             
   
Como o governo não deu a devida importância a este trabalho, cuja implementação deveria ter começado a partir da safra 2013-2014, podemos afirmar que, se não fosse a política desastrosa imposta à Petrobrás, mantendo o preço da gasolina em baixa, durante todo este tempo, com certeza, já estaria faltando etanol nos postos de abastecimento.

Portanto, senhores candidatos, vamos procurar atender a esse grande projeto, cuja implementação será a retomada do desenvolvimento econômico sustentável do setor sucroenergético, gerando emprego para a nossa gente e renda ao nosso País.
                            
(Tarcisio Angelo Mascarim é secretário municipal de Desenvolvimento Econômico de Piracicaba e  diretor do SIMESPI)         
                   

terça-feira, 29 de julho de 2014

A indústria pede socorro

Autor: Zeina Latif
 
Não seria exagero afirmar que a indústria é o setor que mais sofre hoje com o elevado custo-Brasil. E pode ser também o mais sensível a erros de política econômica. O desempenho preocupante da produção industrial nos últimos anos dá uma dimensão da urgente necessidade de ajustar a agenda econômica do país, sob pena de resultar em seu rápido encolhimento.
 
O setor industrial parece mais vulnerável do que os demais em dois pontos principais: a carga tributária e o impacto da deficiente infraestrutura. O ambiente legal e regulatório tampouco ajuda, trazendo também insegurança jurídica ao setor.
 
A carga tributária na indústria de transformação equivalia a 44% do PIB do setor em 2008, segundo a FGV. Enquanto isso, o peso para a agropecuária era de 16%; para construção, 22%; e para serviços e comércio, 24%. Este quadro pode estar associado à cumulatividade da estrutura tributária, que penaliza cadeias produtivas mais longas. Aliado a isso há a enorme complexidade do sistema tributário, que implica custos para o cumprimento das regras, retirando eficiência do setor.
 
A infraestrutura falha também penaliza mais a indústria. Segundo o IBGE, os coeficientes técnicos da matriz insumo-produto indicam a maior dependência da indústria em infraestrutura de transporte e armazenagem em relação aos demais setores. Ainda que, por exemplo, a agropecuária sofra bastante com a baixa qualidade e elevado custo da logística, os dados mostram que o problema impacta mais a indústria.
 
Outro exemplo é energia elétrica, item que coloca o Brasil no grupo dos países com tarifa mais elevada. Mais uma vez, é a indústria o setor mais penalizado pela maior dependência neste insumo.
 
Somam-se a isso as regulações ambientais e trabalhistas e normas de segurança no trabalho. Não faltam exemplos de distorções causadas pela regulação falha. Por exemplo, no caso da NR-12, que estabelece normas de segurança de máquinas e equipamentos, a legislação, que é retroativa, é mais dura do que o observado na experiência internacional. O cumprimento da norma pelas empresas envolve custos elevados, sendo às vezes proibitivos, já que o parque industrial brasileiro está defasado. Também não faltam exemplos de exagero na legislação trabalhista, com excessiva intervenção do estado nas relações de trabalho.
 
Apesar de bem intencionado, o governo acabou criando um emaranhado de regras e regulações que tornam o dia-a-dia do empresário, particularmente da indústria, muito difícil. Adicionalmente, a indústria sofre com a insegurança jurídica, em todas as esperas de governo, incluindo impostos a cumprir e o próprio cumprimento da legislação.
 
O efeito final é a perda de eficiência e de produtividade das empresas e do país. A literatura empírica é rica em evidências da importância, não apenas da infraestrutura, mas também do ambiente legal e regulatório para definir diferentes ganhos de produtividade entre países, entre indústrias em um mesmo país ou mesmo entre firmas.
 
Todos estes fatores – carga tributária, infraestrutura, ambiente legal e regulatório – afetam a produtividade do setor, com repercussões também no investimento e na gestão das empresas. O ambiente desafiador acaba muitas vezes desviando o foco da empresa de seu próprio negócio. Ficam prejudicados o investimento em TI e P&D, bem como o aperfeiçoamento de práticas de gestão. São fatores que agravam o problema, reduzindo adicionalmente os ganhos de produtividade da economia, conforme também indicado na literatura empírica.
 
A reação do governo às dificuldades da indústria não tem sido frutífera. Apostou-se na proteção do setor e na adoção de políticas setoriais. Ou seja, em vez de corrigir as distorções, criam-se outras. Barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio, política de conteúdo nacional, isenções tributárias a produtos, crédito subsidiado a empresas desestimulam a inovação e a busca de eficiência. Políticas setoriais muitas vezes acabam protegendo o produtor menos eficiente e punindo aqueles que não obtiveram benefícios e proteção. O resultado para a economia como um todo pode ser perverso. Jogo de soma negativa.
 
O retrato da indústria é alarmante. E a resposta à crise global de 2008 foi um divisor de águas, causando a partir de 2010 um grande desvio entre a produção doméstica, estagnada, e a crescente produção mundial. Ficamos para trás. Por um lado, os excessos de estímulo à demanda se traduziram em encarecimento da mão-de-obra. Por outro, a fraca agenda de reformas estruturais e os equívocos da política setorial implantada afetaram os ganhos de produtividade. Com ganhos salariais superando ganhos de produtividade, a indústria sucumbiu. Ironicamente, a intenção do governo era estimular a indústria.
 
As margens de lucro do setor sofrem, pois, diferente do setor de serviços, que consegue repassar a pressão de custos para os preços finais, a indústria não tem a mesma flexibilidade pela potencial concorrência com o produto importado. A indústria sofre nas duas pontas.
 
Como resgatar o setor? Para começar, diagnósticos corretos e medidas horizontais. As distorções são tantas, que mesmo pequenos ajustes podem fazer muita diferença. Para avançar, precisamos dar alguns passos para trás, desmontando a confusão criada.
 
Fonte: Instituto Millenium

quinta-feira, 24 de julho de 2014

CNI vai sabatinar presidenciáveis dia 30

Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), os três primeiros colocados na corrida presidencial vão ser sabatinados por 700 empresários que representam boa parte do PIB brasileiro no dia 30, quarta-feira, em Brasília, na sede da CNI (Confederação Nacional da Indústria), informa Mônica Bergamo (Caderno Ilustrada, da Folha). Cada um terá uma hora, separadamente, para apresentar seus planos de governo e responder a perguntas. No evento, chamado de “Diálogo da Indústria com Candidatos à Presidência da República”, vão ser debatidas propostas de 42 documentos que listam prioridades em áreas estratégicas, como infraestrutura, tributação e relações trabalhistas. Entre elas, a redução do custo investimento no país. Segundo a CNI, os tributos elevam em 10,6% o valor de instalação de uma planta produtiva, o que afasta investidores. No Reino Unido, o acréscimo é de 0,4%. O evento dá o ponta pé no debate sobre o programa econômico dos candidatos, o principal ponto de interesse do eleitor no pleito deste ano, segundo as pesquisas. A CNI ampliou seu foco no tema e voltou atrás na decisão de não realizar pesquisas de intenção de voto este ano.
 
Fonte: Blog do Murilo de Aragão.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

"Países do Brics têm que passar por uma mudança de DNA", diz analista

Principal desafio é relançar as estratégias de crescimento, dando uma ênfase maior ao setor privado, opina o especialista Marcos Troyjo

O conceito Brics – hoje formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – foi cunhado pelo economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O'Neill, em 2001, denominando um grupo de países que registrava grande crescimento econômico, inicialmente sem a África do Sul.

Em 2003, os países do Brics chegaram a responder por 9% do PIB mundial e, em 2009, esse valor aumentou para 14%. Atualmente, todos os países, com exceção da China, não apresentam mais o crescimento robusto de antigamente. Para Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia, nos EUA, e professor do Ibmec, no Rio de Janeiro, todos os membros têm que passar por reformas importantes, "uma verdadeira mudança de DNA".

Para o especialista, o principal desafio é relançar as estratégias de crescimento, com menor ênfase no capitalismo de Estado e mais espaço para o setor privado. E isso é um grande dilema para o Brasil, já que a presença do Estado na economia é muito grande.

"O grande empregador da economia brasileira é o Estado, em seus vários níveis administrativos", afirma Troyjo. "O Brasil precisa urgentemente mudar seu padrão de crescimento."

Troyjo diz que o principal desafio dos países do Brics é realizar reformas estruturais

DW: O que podemos esperar da reunião de cúpula do Brics a ser realizada em 14 e 15 de julho no Brasil?

Creio que o principal resultado de Fortaleza será o avanço do processo de construção institucional do Brics. Isso se dará, sobretudo, com a formalização do "Novo Banco de Desenvolvimento" e com a consolidação do "Arranjo de Reservas de Contingência", constituído para o enfrentamento de eventuais crises de liquidez.

Alguns analistas consideram que isso não é muito. Mas, no entanto, ao compararmos o Brics com, por exemplo, o antigo G7 (que se autointitulava "grupo que reúne as nações mais industrializadas"), percebemos que essa agremiação de economias emergentes do Brics já vai alcançar alguns marcos de institucionalização. O G7, em contraste, jamais passou de um encontro regular de chefes de governo voltado à discussão, sem maiores ações efetivas, de questões econômicas internacionais.

DW: Quais são os principais desafios para o grupo do Brics em 2014 e 2015?
Acho que todos eles têm de passar por reformas importantes, uma verdadeira "mudança de DNA". O principal desafio é relançar as estratégias de crescimento, dando uma ênfase menor ao capitalismo de Estado e mais espaço ao setor privado. No âmbito do Brics, o empreendedorismo está relacionado ao tipo de estratégia econômica que cada um desses países vem adotando nos últimos anos.

DW: Qual seriam os principais desafios para o Brasil?
O empreendedorismo brasileiro está muito marcado pela presença maciça do Estado na economia. O Brasil tem uma "substituição de importações 2.0", e é uma das economias mais fechadas do mundo. Isso é um importante dilema para o Brasil. O grande empregador da economia é o governo em seus vários níveis administrativos. Combatemos o mal presente do desemprego com a hipertrofia dos quadros estatais, com a carga tributária desproporcional às contrapartidas de serviços básicos. E com juros ainda muito altos. O Brasil precisa urgentemente mudar seu padrão de crescimento.

DW: Em relação ao ambiente de negócios, quais são as diferenças mais relevantes entre os principais países do Brics – Brasil, Rússia, Índia e China?
O Brics poderia liderar o mundo com iniciativas de empreendedorismo mediante a criação de ambientes amigáveis aos negócios, com regras do jogo e marcos regulatórios bem estabelecidos e transparentes. Se analisarmos os quatro países, veremos que a situação é paradoxal. A China é o mais fechado politicamente. Índia e Brasil são democracias, mas apresentam estruturas burocráticas asfixiantes, com classes políticas pouco funcionais. A Rússia parece intimidar o empreendedorismo em razão das dificuldades na relação com autoridades governamentais que mudam seus humores na escolha de favoritos e perseguidos com muita rapidez.

DW: Os países formadores do Brics chegaram a responder por 18% do PIB mundial em 2010. Atualmente, parece que a magia inicial dos investidores está se desfazendo, já que alguns membros não crescem a taxas tão altas. O Brics é uma página virada?
Nenhum dos países do Brics ostenta expansão do PIB tão estonteante como na década passada. Dos quatro iniciais, apenas a China envereda-se mais celeremente rumo a reformas. Teme-se, no entanto, que mudanças vislumbradas por Xi Jinping tropecem na informalidade do setor financeiro, no estoque de dívidas ruins e no conservadorismo da elite privilegiada pelo boom dos últimos 20 anos. Índia e Brasil parecem paralisados à espera das eleições majoritárias neste ano para a definição de caminhos estratégicos. E a Rússia ainda contabiliza perdas e ganhos da aventura na Crimeia e no imprevisível desfecho da crise ucraniana.

DW: Qual era o principal objetivo do grupo ao ser lançado pelos governantes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e atualmente? Há a intenção, hoje, de tentar fazer com que os EUA não sejam mais hegemônicos na ordem Mundial?
A intenção inicial foi sem dúvida fortalecer os pilares de uma ordem global multipolar. A ideia do Brics como pólo alternativo de poder nas relações internacionais tem obtido surpreendente atenção. Hoje os cinco países mantêm grupos de trabalho em áreas como cooperação espacial, combate ao terrorismo, saúde pública. E, claro, além de um fundo de 100 bilhões de dólares à disposição de qualquer membro do grupo no advento de crises de liquidez, há toda a dinâmica para a criação do Novo Banco de Desenvolvimento.

Num momento em que a política externa dos EUA encontra-se em pronunciada retração, o Brics, com maior coordenação em órgãos multilaterais e formação de instrumentos políticos próprios, desponta como acidental referência para o mundo em desenvolvimento. A ordem internacional também tem horror ao vácuo. Ao contrário de seu status como mercados emergentes, o Brics, como pólo de influência, encontra-se em inesperada ascensão.

DW: Quais são as novas estrelas emergentes que estão a se sobressair no mercado internacional? Por que esses países citados pelo senhor se diferenciam dos membros Brics e de outros países que hoje têm tido um bom crescimento?
Existe, sem dúvida, uma proliferação de siglas relativas às estrelas emergentes. Fala-se agora do Mint (conjunto de México, Indonésia, Nigéria e Turquia). É o novo acrônimo elaborado por Jim O' Neill, primeiro formulador da ideia do Bric. Por que essas siglas surgem? A aposta nos mercados de maior crescimento no futuro às vezes é jogada de marketing. Sofisticados fundos são montados por bancos de investimento quando um grupo de países está prestes a arremeter. E esses fundos ajudam na decolagem – percebida e real.

Foi o que aconteceu com o Bric a partir de 2001-2003, quando se organizaram os primeiros produtos financeiros, agregando numa mesma cesta papéis desses países. Tudo isso é legítimo e faz parte do jogo. Se países não têm boa performance, gestores mudam seu foco para outro grupo e assim por diante. O "Bri" (Brasil, Rússia e Índia) de Bric tem decepcionado com crescimento baixo e imobilismo político.

Excetuando-se a China, a média de crescimento recente do Mint é bem superior à do Brics. E o Mint apresenta ainda melhores perspectivas em termos de bônus demográfico. O maior risco para o Brics não vem de um outro acrônimo da moda. O perigo é o descolamento da China como superpotência, pactuando mais com os EUA e a Europa do que seus parceiros emergentes.

DW: O Brasil vai realizar eleições presidenciais neste ano de 2014. Em sua opinião, quais são as medidas que Dilma Rousseff ou o próximo presidente deverá implementar em 2015 para tentar colocar o país no eixo e voltar a ter um bom crescimento econômico e manter o status no Brics?
Os principais desafios no Brasil são os relacionados ao ambiente de negócios, que continua muito cartorial, permeado por despachantes, atravessadores e hiper-regulações absolutamente desnecessárias à geração de prosperidade. O Brasil também precisa internacionalizar-se mais. Estar mais "vertebrado" à economia global. E, nisso, o papel a ser desempenhado pelo Estado é central. O governo é parte da solução e parte do problema.

A opção pelo mercado interno por parte do Brasil tem sido cantada em prosa e verso como a grande responsável pela maneira quase incólume com que o país passou pela crise deflagrada em setembro de 2008. Isso levou alguns a concluírem que é um erro a internacionalização da economia brasileira. Que não importa a pequena ênfase que o Brasil confere à conquista de mercados externos. Ora, nada mais errado. A China também atravessou a crise de cabeça erguida, e ostenta 60% de seu PIB relacionado ao comércio exterior.

Sabemos que dois dos mais importantes vetores desses novos tempos são os mega-acordos comerciais e as redes globais de produção. O Brasil tem de enveredar por esse caminho. As lições da história econômica das últimas décadas ensinam claramente que aqueles países que buscaram a internacionalização tiveram mais êxito do que os atrelados dogmaticamente a seu mercado interno. Cabe ao Brasil aprender essa lição.

* Fernando Caulyt - Deustche Welle

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Redução de jornada pode provocar maior desemprego

* Fabiana Barreto Nunes

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 231/95 em tramitação no Congresso Nacional, que prevê a diminuição da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, sem redução salarial dos trabalhadores, e propõe, ainda, aumento de 50% para 75% na remuneração de hora extra, se aprovada deve aumentar a mecanização das empresas, o que deve estimular também um avanço do desemprego.

De acordo com a especialista em Direito do Trabalho e sócia do Marcelo Tostes Advogados, Karen Viero não é à toa que a discussão polêmica está em tramitação desde 1995.

Para ela, se forem realizadas análises de mercado, governo e impacto financeiro não existe a possibilidade de a Proposta ir para frente. "Caso a PEC seja aprovada, teremos um impacto negativo no mercado, porque as empresas já vem reduzindo o número de contratações", diz Karen.

A especialista explica que o custo de um trabalhador para a empresa já é muito alto e se houver a diminuição de carga horária sem redução salarial, a alteração representará um acréscimo de horas trabalhadas de 10%, fora o pagamento de extra 25% a mais do que já se paga.

Na análise da especialista, a aprovação da proposta dos ex-deputados Inácio Arruda e Paulo Paim irá incentivar a mecanização do trabalho e como consequência um aumento de desemprego. "Com a mão de obra mais cara as empresas irão trocar o trabalho humano por máquinas", defende.

Na opinião da sócia da área trabalhista do Innocenti Advogados Associados, Vivian Cavalcanti de Camilis, a mudança proposta pode prejudicar a economia brasileira e não seria alternativa para gerar novas vagas de emprego no Brasil. "A carga tributária incidente hoje sobre as empresas no País é muito pesada", observa Vivian.
Ela alerta para o risco de um aumento do mercado informal. "O ônus do imposto pode acabar incentivando a economia informal. É importante pensar nas empresas de pequeno porte. Como elas ficariam, caso seja aprovada a redução da jornada de trabalho?", questiona. "Só essa PEC não vai resolver o problema do desemprego. O Brasil tem que combater o desemprego com outras medidas, que não dependam só das empresas, mas também de acordos do governo. Vagas de emprego, por exemplo, surgem quando se abre uma indústria no interior", avalia.

Segundo o tributarista sócio do escritório Ratc & Gueogjian,Vitor Krikor Gueogjian, o custo para aquecer a economia e diminuir o desemprego foi repassado ao empresário por meio da PEC. Todavia, para Gueogjian, a desoneração da folha de pagamento, que atualmente beneficia 56 setores da economia, é estimula a economia e pode gerar novos empregos. "Ocorre que isso significa uma renúncia fiscal para o governo e dificulta o pagamento das despesas públicas, porém sacrifícios devem ser feitos pelo governo para movimentar a economia ao invés de repassar esses custos ao empresário, que em grande parte será representativo ao pequeno e médio empresário brasileiro", comenta o especialista.

Para Karen as pequenas e medias empresas serão as que mais sofrerão, justamente pelo alto custo que as empresas sofrem para manter empregados. Entretanto, a advogada não acredita no aumento de trabalho informal porque isso só irá aumentar o passivo da empresa.

A especialista do Innocenti Advogados, considera simplista o argumento de que a proposta de redução da jornada melhoraria a qualidade de vida do trabalhador brasileiro. "De nada adianta reduzir a jornada, se o funcionário trabalha, por exemplo, em lugar insalubre, em uma empresa que não motiva, que não faz plano de carreira, que não reconhece o empregado", comenta. A advogada ressalta que a questão da qualidade de vida do trabalhador tem que ser analisada em conjunto. "Uma empresa até poderia reduzir a jornada de trabalho em casos extremos, por exemplo, quando passa por dificuldades financeiras e precisa diminuir a demanda. Nesses casos, os acordos coletivos poderiam decidir a estratégia a ser utilizada, além de prever, consequentemente, a redução do salário", conclui.

Karen destaca que a PEC está sendo tratada de uma forma homogenia sem levar em considerações as características regionais do País e os setores específicos de cada empresa. "Uma lei não vai resolver. Tanto que hoje usamos acordos coletivos onde empregados e empregadores discutem e estabelecem acordos, sejam ele de benefícios, dissídios ou carga horária de trabalho, conforme a necessidade de casa setor".

A advogada defende que utilizar o mecanismo de acordos coletivos é mais produtivo para estabelecer o que cada categoria tem como demanda.

A Proposta de Emenda à Constituição precisa de apoio de 2/3 dos deputados para ser aprovada na Câmara em dois turnos de votação. Em seguida, passa a análise semelhante no Senado Federal.

A última redução da jornada de trabalho ocorrida no País foi na Constituição de 1988, quando as horas trabalhadas passaram de 48 para 44 horas semanais.

           Fonte: Diário do Comércio, Indústria e Serviços

terça-feira, 8 de julho de 2014

‘Nosso debate orçamentário é indigente’, diz especialista em finanças públicas

* Fábio Gambiagi
 
Há um ano nas ruas, manifestantes se queixam dos gastos públicos com os estádios da Copa do Mundo. Ao mesmo tempo, pedem mais dinheiro para estender a hospitais, transportes e escolas o “padrão Fifa”. Na pré-campanha eleitoral, presidenciáveis prometem cortar ministérios e combater a corrupção para estancar a sangria de recursos do governo, mas juram fidelidade à manutenção e ampliação de benefícios sociais que custam cada vez mais ao Tesouro. O discurso de austeridade tem apelo, mas o que move mesmo os brasileiros é a demanda por mais gastos do setor público. Acontece que o governo já gasta demais. E muito mal. É o que constata o economista Fabio Giambiagi, especialista em finanças públicas com passagens pelos departamentos econômicos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em entrevista ao GLOBO, ele diz que a sociedade está insatisfeita com impostos cada vez mais altos sem a contrapartida de serviços públicos satisfatórios, mas não se envolve na discussão do que deve ser prioridade no orçamento, um tema central na cena política de democracias desenvolvidas.
 
Há crítica recorrente de que o governo arrecada e gasta muito. No entanto, as propostas dos candidatos em geral embutem mais gastos. É uma contradição?
Sem dúvida. Há um problema muito conhecido na teoria das finanças públicas: a combinação de benefícios concentrados e custos difusos. Em geral, os grupos de pressão se articulam para tentar aprovar aquilo que interessa a algumas categorias e os políticos são sensíveis a essas pressões. Depois, na hora da conta, não há a mesma articulação contrária. O lobby para aumentar uma despesa ou outra é sempre muito forte, mas não há uma reação equivalente contra o aumento da carga tributária.
 
Por que propostas que apontem para a redução de gastos, mesmo acompanhadas de maior eficiência, são evitadas pelos candidatos?
Na minha opinião, há um erro duplo. O primeiro, de certa forma, é da imprensa. Há um certo abuso, equivocado, das palavras “corte” e “redução” de gastos, coisa que a rigor não está em pauta. O que se trata, na prática, é de controlar a evolução do gasto, para que esse cresça a uma velocidade menor. O segundo é dos governos e da liderança política em geral, que ao longo dos anos têm revelado uma enorme incapacidade de expor essas questões de uma forma menos emocional e mais didática.
 
É diferente em outros países?
Claro. O Brasil fez enormes avanços institucionais no campo das finanças públicas nos últimos 30 anos, desde o caos que vigorava nos anos 80. Mas, em matéria de qualidade do debate sobre o orçamento, vivemos na era das cavernas. Nosso debate orçamentário é indigente, dá vergonha. Gosto muito do exemplo inglês. Lá, o ministro encarregado das finanças vai ao Parlamento e se submete a um rigoroso escrutínio ao expor as razões e os números da proposta orçamentária do governo. É um debate que dá gosto de assistir, sente-se a democracia pulsando. O que temos no Brasil, comparativamente, é um circo. Um processo pouco sério, com falhas tanto do Executivo como do Legislativo.
 
O senhor é um estudioso da Previdência social no Brasil. O que ela diz sobre como decidimos nossos gastos?
É uma tristeza. Frequentemente, nota-se uma total falta de seriedade no tratamento das principais questões. A despesa do INSS era 2,5% do PIB em 1988, quando foi sancionada a Constituição. Hoje é 7,5% do PIB. E estamos numa situação em que o contingente de idosos se encaminha para um crescimento de 4% ao ano. A economia mal consegue crescer 2%. Qualquer pessoa minimamente preocupada com o futuro que legaremos aos nossos filhos deveria pensar em equacionar o problema. Entretanto, o que mais se vê são iniciativas que agravam, como projetos que aumentam pensões, diminuem contribuições ou permitem aposentadorias mais cedo. É um caso de esquizofrenia nacional.
 
Como vê uma medida como a aprovação recente no Congresso de aplicar 10% do PIB em Educação por ano?
É um exemplo de como algumas coisas tremendamente importantes no Brasil são decididas de forma totalmente emocional, com zero de racionalidade, em clima carnavalesco e com componente macunaímicos. É evidente que Educação é importante. Porém, há duas coisas a considerar. Primeiro, nenhum país no mundo gasta 10% do PIB com Educação. Quem mais gasta tem uma despesa de um pouco menos de 8% do PIB com Educação. Em geral, são sociedades muito prósperas, com renda per capita muito elevada e carga tributária altíssima. Segundo, entre 2010 e 2050 a projeção do IBGE é que a população de 5 a 19 anos cairá 34%. Se assumirmos que o PIB aumente 2,5% ao ano durante 40 anos, mesmo se a relação entre gastos com Educação e o PIB se mantivesse estável, o gasto por aluno aumentaria quase 3,6% ao ano. Ou mais precisamente nada menos que 310% nesse período. É muito dinheiro! É inacreditável que ninguém tenha feito essa conta. Nos próximos 40 anos, teremos uma pressão enorme de gastos com Saúde e Previdência. Se, além disso, a despesa com Educação crescer desse jeito, vamos rumo a um Brasil com 50% do PIB de carga tributária? É esse o país que queremos?
 
Fonte: Extra, 21/06/2014.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

A redução da jornada semanal de trabalho no país: Uma análise da PEC nº 231/95 sob o ponto de vista econômico e empresarial

Kerlen Caroline Costa

Muito se ouve falar em redução da jornada semanal de trabalho, matéria que vem sendo objeto de inúmeras manifestações sindicais daqueles que buscam, desde 1995, a alteração da Constituição Federal neste aspecto. 

A redução é o ponto chave da PEC nº 231/95, através da qual se busca a alteração da jornada do trabalhador brasileiro de 44 para 40 horas semanais, com o aumento do adicional de hora extra de 50% para 75%. Às vésperas de completar 20 anos de existência, a proposta virou uma questão política muito debatida, mas impossível de ser votada, já que traria discussões inoportunas para alguns interesses.

Enquanto isso os sindicatos, na esperança de inclusão da PEC em pauta de votação, rebelam-se obstruindo ruas, realizando greves e restringindo o direito constitucional de ir e vir das pessoas na busca pela imposição de uma idéia retrógrada e incompatível com a situação atual do país.

Os defensores da medida utilizam como principal argumento o aumento de postos de trabalho, uma vez que os empregados trabalharão menos e, para manter a produção, as empresas serão obrigadas a ofertar mais vagas, de modo que com mais trabalhadores, aumentariam seu lucro. A alegação, portanto, é de que a redução seria um ótimo negócio para ambos os envolvidos.

Ocorre que o problema do Brasil não é mais a falta de ofertas de emprego como ocorria em 1995, mas de trabalhadores qualificados que tenham vontade e disposição para ocupar as vagas existentes.

Dados da entidade americana de pesquisas Conference Board (01) mostram que empregados de empresas brasileiras produziram, em 2013, uma média de U$ 10,8 por hora trabalhada, sendo a menor média da América Latina. Ou seja, mesmo que tenhamos avançado no nível de escolaridade da população, isso não se refletiu na produtividade. Por qual razão?

Vivemos em um país que se encontra em situação de pleno emprego em que as pessoas, quando despedidas, preferem o benefício do seguro desemprego a buscar imediatamente uma nova oportunidade no mercado de trabalho.

Se fosse bom para as empresas reduzir a quantidade de horas trabalhadas por seus empregados para aumentar a produtividade, elas certamente já o teriam feito, uma vez que nada as impede de contratar jornadas menores. Contudo, não se trata apenas de contratar mais empregados, mas de incluir no custo do negócio mais salários, encargos e benefícios.

Assim, o aumento do custo da produção eleva os preços dos produtos, reduz a compra destes e a empresa, conseqüentemente, passa a produzir em menor escala, já que o produto fica encalhado nas prateleiras por ser muito caro. E quando a demanda de trabalho é escassa, a única saída é a redução do número de empregados.

A empresa, portanto, não vai contratar mais empregados com a redução da jornada semanal. Pelo contrário. Terá que desfazer-se dos empregados atuais ou passar a exigir mais dos empregados que já possui, dentro das tão sonhadas 40 horas semanais.

Além disso, a redução de jornada pode causar a retração de investimentos externos no país.

Já somos obrigados a conviver com a má fama de ter uma legislação que visa proteger tão somente o trabalhador sem conceder incentivo às empresas para minimizar os efeitos financeiros desse excesso e ainda temos que apresentar aos estrangeiros investidores um modelo de prestação de serviço em que o empregado produz menos, trabalha em jornada reduzida e recebe o mesmo salário que teria se laborasse 4 horas a mais.

Simplesmente não há como reduzir a jornada sem ter um impacto gritante na economia do país. Não há como deixar de pensar que a fantasiosa idéia de que haverá aumento dos postos de trabalho provocará a ruína empresarial, uma vez que sequer há mão de obra suficiente para tanto.

Nos tempos atuais o que precisamos de verdade é utilizar a mão de obra de forma mais eficiente e não reduzir-lhe o tempo de trabalho.

A criação de empregos depende de educação de boa qualidade e de pessoas que efetivamente queiram ocupar as inúmeras vagas já existentes. Depende da ampliação dos negócios, o que só ocorrerá com investimentos proporcionados pelo aumento do consumo e da existência de um ambiente empresarial propício.

A ordem atual é de flexibilização da legislação trabalhista e não de torná-la objeto de impossível cumprimento.

Se a empresa precisa do trabalhador para continuar viva, o trabalhador precisa também da empresa para que tenha uma fonte de sustento.

É preciso que se observe o empregador como um parceiro do crescimento econômico do país e das baixas taxas de desemprego, de forma que se busque legislar para proteger o trabalhador sem onerar de forma absurda a empresa na qual está inserido.

Não basta entrarmos em guerra para a expansão do número de empregos se o brasileiro, seja por falta de capacitação ou de vontade, não pretende ocupá-las.

A redução da jornada não trará benefícios futuros se nossa intenção, ainda que mascarada, for unicamente trabalhar menos. O que falta é entendermos que é do trabalho que vem a dignidade humana. É o trabalho bem feito que nos torna insubstituíveis. E é com o trabalho, seja em 40 ou 44 horas semanais, que educaremos as gerações futuras pelo exemplo.

Fonte: FiscoSoft

Nota
(01) Entidade norte americana de pesquisa privada que estuda a produtividade anual através do relatório de competitividade global "The Conference Board Total Economy Database".