HUMBERTO MAIA JUNIOR
DE 1886, ANO EM QUE O AUTOMÓVEL FOI CRIADO PELO ALEMÃO Karl Benz, até
1930, entraram e saíram do mercado de carros nos Estados Unidos e na
Europa, não conseguiram competir com empresas como a Ford, que em 1913
aperfeiçoou, na fábrica de Detroit, o processo de linha de montagem,
logo batizado de Fordismo. O preço do modelo Fort T, que em 1908 era de
825 dólares, baixou para 360 em 1916 (cerca de 7 000 dólares em valor
atual), muito mais barato do que qualquer outro concorrente. Nos anos
seguintes, as empresas que sobreviveram foram as que conseguiram
produzir a custos similares. Por décadas, a competitividade de
uma empresa foi largamente determinada pelos ganhos de produtividade e
eficiência obtidos no chão de fábrica. Essa luta pela sobrevivência
levou a uma busca contínua por novas tecnologias e métodos mais
eficientes de manufatura - agora a robotização e a impressão em 3D são
frentes de expansão. Mas, hoje, quando se pensa nacompetitividade da indústria, é preciso olhar para outra parcela da economia: a dos serviços.
Pode soar estranho, mas é isso mesmo. Quanto mais desenvolvidos - e
produtivos - forem os serviços num país, mais competitiva será a
indústria. A indústria é, hoje, uma grande consumidora de marketing,
inovação, logística, serviços financeiros e assistência técnica. Pode-se
dizer que eles são tão ou mais importantes do que a matéria-prima ou a
automação da linha de produção. A ponto de especialistas falarem que
esta havendo, com o perdão do palavrão, uma "servicização" da indústria.
Segundo um estudo recente da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos países desenvolvidos os serviços
participam com 20% do valor bruto da produção industrial. Quando se
analisa a relação com o valor adicionado, o número sobe para 65%. Ou
seja, os serviços utilizados pela indústria dão a maior contribuição
para a riqueza gerada pela própria indústria. Nos emergentes, a relação é
menor: abaixo de 50%. Por que a diferença? É que os países ricos mantêm
em suas fronteiras as etapas que agregam mais valor - isto é, mais
lucro e riqueza -, como a inovação e o marketing, delegando aos
emergentes as etapas menos nobres, como a montagem dos produtos. "O
salto de competitividade das indústrias passa por uma melhora na
qualidade e na produtividade dos serviços", diz Carl Dahlman, diretor de
pesquisa global da OCDE.
Da interação entre indústria e serviço de alto valor muitas vezes
acaba saindo algo que não é nem um nem outro. Tome-se o caso da GE
Transportation, divisão da multinacional americana responsável pela
fabricação de locomotivas. Até junho do ano passado, o principal foco da
unidade da GE em Contagem, em Minas Gerais, era a manufatura. Em 51
anos, ali foram fabricadas 1400 locomotivas. Nos próximos 50 anos, a
empresa quer ser uma "fornecedora de serviços ferroviários". Nesse
sentido, a venda de 107 locomotivas para a operadora logística ALL, há
um ano, poderia ser considerada quase uma estratégia de "fidelização" do
cliente: junto com os trens foi entregue um contrato de 15 anos no qual
a GE garante que eles estejam disponíveis para rodar pelo menos 90% do
tempo. Ou seja, os trens não podem ficar parados no pátio quebrados ou à
espera de manutenção - uma óbvia perda de produtividade. Como isso será
cumprido? A GE tem 70 engenheiros que acompanham remotamente, por
computador, o desempenho das locomotivas. As informações são comparadas
em banco de dados com padrões de comportamento. Por exemplo: quais
situações provocam desgaste nas peças. Com isso, os engenheiros podem
antecipar os problemas e fazer manutenção preventiva. O trabalho é feito
por 20 mecânicos que a empresa mantém no pátio da ALL em Araraquara, no
interior paulista. Trata-se de um serviço de alta tecnologia - e alto
valor agregado. Hoje, serviços nesses moldes respondem por 40% dos
negócios do braço de transportes da GE no Brasil. A tendência é o número
crescer. O contrato, aqui único, existe em 70% da frota ferroviária dos
Estados Unidos. "Nosso objetivo passa a ser não só fazer locomotivas
mas dar aos clientes a garantia de que tudo vai funcionar", diz Rogério
Mendonça, presidente da GE Transportation para a América Latina. Outro
ponto positivo: o contrato acaba aumentando a produtividade de
fornecedor e cliente. A GE passa a ter o incentivo de fabricar peças
melhores, já que não lucra com a troca delas. A ALL leva um serviço
melhor. "Em um ano de contrato, ganhamos 10% de produtividade", diz
Marcelo Tappis Dias, diretor de produção da ALL.
O fenômeno não se restringe aos setores intensivos em tecnologia. A
Kimberly-Clark está deixando para trás o modelo de fabricar e vender
produtos como papel toalha, sabonete líquido e álcool em gel. A empresa
trabalha com clientes de forma análoga ao formato GE-ALL: firma
contratos de fornecimento. E desenvolveu uma logística própria para
garantir que o suprimento não seja interrompido. Mas vai além: em abril,
criou um sistema que monitora a frequência com que médicos e
enfermeiros lavam as mãos nos hospitais. Eles agora andam com um crachá
dotado de um chip que anota quantas vezes acionam o dispensador de
sabão. "Se ficarmos na venda de papel toalha ou álcool em gel, logo a
concorrência nos alcança", diz Juan Carlos Lenis, diretor da divisão da
Kimberly-Clark que atende empresas.
ESTAMOS ATRASADOS
Exemplos como os da GE e da Kimberly-Clark podem dar a impressão de
que o Brasil está com a vida ganha. Longe disso. Um estudo do economista
Jorge Arbache, da Universidade de Brasília, feito para a Confederação Nacional da Indústria,
analisa a relação entre os dois setores. Ele mostra que os serviços
participam com 12,5% do valor bruto da produção industrial brasileira e
57% do valor adicionado. O índice brasileiro é alto, próximo ao de
países ricos. Mas isso não quer dizer que o Brasil tenha serviços de
Primeiro Mundo. Ao contrário. "O alto valor dos serviços embutidos nos
produtos brasileiros reflete o preço elevado pago por eles e o baixo
valor gerado pela indústria", diz Arbache. "Na verdade, os serviços no
Brasil, de modo geral, são caros, pouco produtivos e de má qualidade, o
que puxa para baixo a competitividade industrial."
Para entender como essa relação funciona, podem-se dividir os
serviços em dois grupos, conforme são utilizados pela indústria. O
primeiro é do tipo que significa custos: logística, serviços
financeiros, aluguéis, manutenção, entre outros. O segundo é o que
agrega valor: inovação, design, marketing e serviços de pós-venda são os
principais. "São eles que tornam um produto premium e permitem lucros
maiores", escreveu a norueguesa Hildegunn Nordas, analista de comércio
exterior da OCDE, num estudo chamado "O papel dos serviços para a
competitividade da manufatura". Um exemplo simples está na indústria
têxtil. Por que um terno chinês custa 50 dólares e um armani até 50
vezes mais? Basicamente, porque o estilista italiano diferencia seu
produto com uma modelagem mais bem-acabada e por um trabalho de marca.
Para isso, contrata melhores profissionais e paga salários mais altos.
"Hoje, para sobreviver, a indústria depende mais de serviços
inteligentes do que de processos fabris", diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI.
Estudos mostram que o aumento de 1% na participação dos serviços no
produto está associado a um aumento de 6% a 7,5% nos preços das
exportações.
Para multiplicar exemplos como os da GE e da Kimberly-Clark - não por
acaso, duas multinacionais - e diminuir a distância dos países
desenvolvidos, o Brasil precisa elevar a produtividade nos serviços. O
estudo da OCDE diz que aprimorar a educação é um investimento certeiro
para o país se dotar de serviços que gerem riqueza para a indústria - e,
por conseguinte, para toda a economia, já que os serviços respondem por
70% do PIB. Mas, no caso brasileiro, o que pode dar mais resultado no
curto prazo é melhorar os serviços que representam custos. Entre eles a
infraestrutura logística.
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A EFICIÊNCIA DE ÁREAS COMO A LOGÍSTICA É VITAL PARA ELEVAR A
PRODUTIVIDADE DE TODA A ECONOMIA, JÁ QUE OS SERVIÇOS RESPONDEM POR 70%
DO PIB
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Um dos principais gargalos do país são os portos, lentos e caros:
receber um contêiner custa em média 2 200 dólares, e a carga demora 17
dias para ser liberada. No Vietnã, a mesma operação sai por um quarto do
custo e, na Alemanha, o contêiner é liberado em até sete dias. ''No
contexto mundial de 'servicização' da indústria, questões como
infraestrutura deixam de ser tão relevantes", diz Jorge Arbache. "Mas,
como o Brasil está atrasado nesse ponto, é preciso retirar esse
gargalo." A Mexichem, dona de marcas como a de tubos plásticos Amanco,
sofre com a ineficiência. Para evitar quebras de produção por atrasos na
liberação de insumos importados, a empresa mantém estoque de 50 dias de
produção, quando o normal seriam oito dias. "O dinheiro parado nos
estoques nos impede de investir mais em automação", diz Maurício Harger,
presidente da Mexichem. Por isso, investimentos em produtividade, como o
feito pelo Terminal de Libra, no porto de Santos, tornam-se urgentes.
Graças a esforços de treinamento, melhoria de processos e manutenção de
caminhões e guindastes, o terminal saiu de 2011 para cá de uma média de
38 para 73 movimentações de contêineres por hora. Em junho, bateu o
recorde sul-americano de 184 contêineres movidos em 1 hora. "Mais que
bater recordes, queremos aumentar nossa eficiência para que os navios
fiquem o menor tempo possível no porto", diz Marcelo Araújo, presidente
do Grupo Libra. "Com isso, toda a economia se beneficia."
Disponível em Blog Relações do Trabalho - 01/08/2014
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