Nas campanhas eleitorais, inflação e desemprego são temas controvertidos. Os
candidatos da situação procuram mostrar que os dias de hoje são melhores que os
de ontem. Os da oposição fazem o inverso. Os dois problemas são sérios para a
vida dos eleitores e de sua família. A inflação corrói o seu poder de compra e o
desemprego faz as pessoas perderem o chão. O que pesa mais na determinação da
insatisfação das pessoas?
Em estudo recente, Annabelle Krause, do Instituto para Estudos do Trabalho de
Bonn (Alemanha), fez uma ampla resenha dos principais trabalhos sobre essa
questão. As pesquisas resenhadas indicam que a inflação gera uma insegurança
desagradável, pois a perda de poder de compra cria incertezas e remove a
previsibilidade das pessoas. Muitas se endividam. Outras rebaixam o estilo de
vida. Mesmo com o acionamento dos conhecidos mecanismos compensatórios de
indexação, a inflação causa um inegável desassossego (ver Happiness and work,
IZA Discussion Paper n.º 8.435, agosto de 2014).
No caso da desocupação, o principal mecanismo de compensação é o
seguro-desemprego. Entretanto, mais que a inflação, o desemprego mexe com a
dignidade e a autoestima das pessoas. Está comprovado haver uma relação negativa
entre desemprego e saúde mental, e é claro que os efeitos não pecuniários são
mais sérios do que os pecuniários. As pessoas que já amargaram a desocupação
sabem o que isso significa. É um daqueles problemas de que ninguém se esquece. A
ansiedade surge até mesmo na mera antecipação de uma onda de desemprego.
Os estudos indicam que o sentimento de insatisfação só é ligeiramente
atenuado quando a desocupação na região onde a pessoa vive é alta ou quando o
desempregado vê outros membros de sua roda de amigos ou conhecidos na mesma
situação. Dentro de sua família, porém, o abatimento cresce em proporção
geométrica em relação ao tempo que corre em progressão aritmética. Por ser uma
norma social altamente valorizada, o emprego funciona como um importante
determinante da autoestima. Na falta dele, a depressão é inevitável.
O Brasil de hoje mostra uma situação relativamente confortável nos dois
aspectos. A inflação vem sendo parcialmente compensada por aumentos reais de
salários e de benefícios. Os dados disponíveis indicam que cerca de 90% das
categorias profissionais vêm obtendo reajustes salariais acima da inflação, o
que atenua a perda de poder de compra.
Isso se relaciona com o quadro do emprego. A indexação com ganhos reais tem
sido possível em vista do quadro de falta de mão de obra que ainda persiste em
vários setores, apesar do enfraquecimento da geração de empregos. O encolhimento
da população economicamente ativa é responsável por um encolhimento da oferta de
trabalho, que se traduz por menos procura por emprego e baixa taxa de desemprego
(5%).
Suspeito, porém, que esse céu de brigadeiro esteja com os dias contados. O
governo a ser inaugurado em 2015 enfrentará o grave desafio de ajustar os preços
até aqui contidos artificialmente: câmbio, eletricidade, tarifas urbanas,
petróleo e derivados e outros. Mesmo que o ajuste seja gradual, há sério risco
de a inflação subir ao longo do ano.
No campo do desemprego, apesar do encolhimento da força de trabalho acima
apontado, a taxa de desemprego tenderá a subir com a perspectiva de redução mais
acentuada da oferta de emprego, em decorrência da falta de investimentos
registrada em 2014 e de problemas que ameaçam a produção em 2015, como é o caso
do racionamento de energia elétrica (que pode atingir vários Estados) e da falta
de água, que é quase certa no coração industrial do País: São Paulo.
Temo, assim, que 2015 venha a trazer a junção dos dois problemas, com os
mencionados reflexos nos orçamentos familiares e na autoestima da população.
Oxalá esteja errado.
(*) José Pastore é professor da Fea-USP, presidente do Conselho de Emprego
e Relações do Trabalho da Fecomércio-SP e membro da Academia Paulista de
Letras
|
Fonte: O Estado de São Paulo, por José Pastore (*), 23.09.2014 |
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